domingo, 16 de novembro de 2008

O Pigmaleão

No meio da corrida, Pigmaleão, caiu. A turba endiabrada que o perseguia, não dando pela sua queda, passou-lhe por cima. Os restos do Pigmaleão amassado, lá se recompuseram e se levantaram por partes. Primeiro foi a cabeça, levantou-se apoiada pelo ouvido, depois levantou-se o cotovelo que puxou o braço e apoiou-se nas mãos, de modo que Pigmaleão visto onde se via, parecia fazer marinheiro. E eis que entra na história nosso marinheiro Pigmeu. Nascido de pai Malí e mãe marrom, possuía espírito macurreiro, ou seja, uma mistura de macumbeiro e guerreiro; que é o mesmo que dizer que ele contava com a coragem dos guerreiros Malí e a sorte das feitiçarias dos marrons.

Enfim, nosso marinheiro entrou pela primeira vez neste história por força do nosso Pigmaleão, de quem ele também tinha alguns traços, sendo o mais característico, diga-se, o não possuir língua. O marinheiro Pigmeu, assim ele gostava de ser chamado, falava todas as línguas existentes, por isso falava com todas as coisas do universo e se dava muito bem assim. Tanto é verdade que quando pela primeira vez entrou no navio em que servia como Encarregado de Carregar no Botão do Focalizador de Memória Eterna, nosso Marinheiro de Primeira Viagem, Pigmeu Marine, para os íntimos, não teve dificuldades nenhumas. Desempenhou todo seu trabalho com o profissionalismo de um verdadeiro Comandante de Botões Memorizadores de Memórias Eternas. Chegando mesmo a ser condecorado com um dia de trabalho a base de fome. Coisa só destinada à mais alta linha da marinha medisatânica.
Porem, e ninguém até hoje sabe bem porque, nosso marinheirinho, de quepi branco e roupa limpinha, branco como um pombo rei, lentamente abusou-se do barquinho que tripulava. Na sua cabecinha algo se passava. Mas isso ele não deixava ninguém entrever. Nem mesmo as menininhas que à noitinha dormia ali bem pertinho de suas orelhas podiam imaginar que dentro daquela cachalota as nuvens mais claras combatiam com as borrosas nuvens cinzas das características paisagens antuerpenhas. Elas, as doces menininhas de cruzeiros, criaturas tão dóceis e frágeis, tão voláteis e passageiras, companheiras de espaços vagos de tempo, para nosso marinheiro, eram ilhas de fina areia clara, ilhas de descanso e desleixo, e por isso não se preocupava ele com elas. Deixava-as à vontade no meio da imensidão do mar, mal o vento mudava,e ele sentia que podia levantar vela. Por isso nunca lhes disse nada do que lhe ia pela cabeça. Contar a quem quer que fosse, as formas vagas que compunham seus miolos, era lançar ancora sobre solo frágil, era fundear sobre enseada de corais. Por outras palavras, partilhar de seus planos, era por nos planos esse alguém. Mas Pigmeu Marine, não se sentia pronto para por ninguém nos planos, não sabia bem nem como haveria de desempenha-los. Por isso quebrava a cabeça com essas formas vagas de ondas, com esse rumorejar de ideias, por isso se impacientava com o navio, e por isso também decidiu abandonar o barco.
- Almirante do Botão Vermelho, disse nosso marinheiro de primeira viagem num belo dia de sol mediterrabundo, faço o favor de lançar ao mar um bote que aqui desço.
- Caro marinheirinho de primeira viagem, aqui não podes descer. Essa ordem só posso dar quando chegarmos ao porto de Viela.
O Marinheiro Pigmeu ficou muito triste com essa notícia, e com muito esforço voltou para os clickes do seu trabalho. Na cabeça os flashes dos seus sonhos eram constantes e contrastavam com os flashes dos dos Flashes. Isso tudo só aumentava seu tédio, porque o que queria de verdade era poder virar para o céu sua maquinazinha rugosa, sua cabecinha de vento, sua objetiva angular esférico reflexiva que na retina guardava as coisinhas que lhe eram mais queridas. Como por exemplo, e isso nem todos podem saber, apesar de ser do conhecimento geral, a imagem da trapezista.
Oh como parecia casando nosso marinheiro. Balançando na lata do barco, como uma sardinha de um lado para o outro imersa no azeite de oliva, nova modalidade de conserva nesse velho continente. Nosso grande Pigmeu, também imerso no óleo do trabalho, nas secreções do corpo, sem poder tomar aquele velho banho, aquele verdadeiro duche, com os dois pés bem cravados na areia, feito uma raiz de aroeira, ia lá pensando com seus botões, tentando superar os limites do aço, sonhando já com suas prórpias ideias.
Os dias foram passando, passando, as ideias foram se juntado no alto firmamento do cocuruto, e Pigmeu, aos poucos, muito lentamente, ia dando cores e traços aos seus objectivos. Nada que sua maquininha pudesse captar, ainda, dizia de si para si. Mas em breve, com a nova maquina que terei, sob o custo e o peso de um verão quase artico para mim que há anos não passo da linhas dos trópicos, com ela, poderei congelar a imagem dos meus sonhos. Então, então serei um verdadeiro Pigmaleão.

E aqui voltamos ao velho Pigmaleão do começo de nossa historietita. Pigmaleão levantou depois o tronco, depois nos joelhos ficou levantado, e apoiou-se num pé, e depois no outro, até que pode ver o mundo do alto. Na sua frente as costas da multidão que ainda o perseguia, e às suas costas o caminho para casa. Mas Pigmaleão tinha terminado seu trabalho aqui na terra, havia, por fim, encontrado a mulher navio, aquela que nós leva passageiro nela, e ai arriou ancora.

Eis outra característica em comum com o nosso Pigmeu Marinheiro. Em breve ele há de encontrar uma mulher navio, tão grande e tão vasta como o imenso oceano. Então haverá de gostar de ser sardinha.

23-10-08

Para o velho Manilo, do seu displicente irmão, Bruno.

Nenhum comentário: